"Uma coisa é certa, não irei oferecer-me a nenhum clube"
Quando trocou o Portsmouth pelo Glasgow Rangers acreditava que podia tornar-se campeão da Escócia?
Sabia que o Glasgow tinha aspirações ao título e que ficar em primeiro lugar era um dos objectivos da equipa. Mas também sabia das dificuldades. O clube passava por uma fase menos boa e, portanto, não seria fácil - exigiria esforço físico e muita força anímica. Como aliás se provou. Foi um ano vitorioso mas muito complicado, com muita pressão.
Fez uma boa época, foi decisivo na conquista do título, marcou um golo importante no jogo decisivo e ainda o que foi considerado o melhor golo da época. Melhor era impossível?
Foi uma boa época, à semelhança de outras. Creio que fiz duas excelentes épocas no Portsmouth, ajudei uma equipa que estava praticamente a descer de divisão a conquistar um oitavo lugar na Premier League e uma Taça de Inglaterra. Foi muito motivador. Mesmo no Tottenham, tirando a primeira metade do segundo ano, tive bons momentos. Esta época destaca-se porque termina com a conquista do campeonato.
E joga amanhã a Taça da Escócia frente a uma equipa acessível...
Sim, espero fazer a dobradinha e ganhar amanhã a Taça.
Caiu nas boas graças de uma massa associativa muito exigente como é a do Glasgow Rangers...
Os adeptos do Glasgow adoram o clube e sabem reconhecer a entrega de um jogador à camisola. Mas sempre tive uma boa relação com os adeptos dos vários clubes por onde passei. É um dos maiores orgulhos da minha carreira receber ainda hoje sinais de carinho e reconhecimento por parte de adeptos do FC Porto, do Vitória ou do Tottenham, por exemplo. É um excelente retorno pelo meu empenhamento.
O golo eleito foi o melhor da sua carreira?
Já marquei vários golos bonitos. Gosto muito de um que marquei logo no meu primeiro dérbi na Escócia, o Old Firm, contra o Celtic. Foi um golo especial, primeiro, porque foi marcado em casa do grande rival e, depois, porque o Glasgow ganhou bem e por muitos (2-4).
Uma rivalidade que leva com frequência à violência. As comemorações do título provocaram incidentes graves. Como é que os jogadores reagem a esta violência?
Com imensa tristeza. Glasgow divide-se em duas: Rangers de um lado, Celtic do outro. É das mais antigas rivalidades entre equipas de futebol, com motivações religiosas pelo meio. Lamento muito que os festejos tenham acabado em confronto.
Campeão de Portugal, campeão europeu, vencedor de uma Taça de Inglaterra, campeão escocês. Tem uma das carreiras mais consistentes e é, no entanto, um dos jogadores menos mediáticos. Porquê?
Sou uma pessoa tranquila. Tenho a noção do meu valor, tenho objectivos traçados. Conheço os meus defeitos e as minhas virtudes e, portanto, não necessito de andar em bicos de pés. Resguardo a minha vida, a minha família, não gosto - nem preciso - de ter fotógrafos atrás de mim e dos meus.
Depois de uma época com tanto destaque, vai continuar na Escócia ou vai procurar uma Liga mais mediática?
O meu contrato é válido por mais dois anos, sinto-me bem em Glasgow e, por isso, não vejo razões para não continuar no Rangers.
Há o interesse de outros clubes. A Lazio de Roma é uma possibilidade?
Que eu saiba, não. Nem me compete decidir se fico ou saio. Um coisa é certa: não irei oferecer-me a nenhum clube. E também não faço ideia do que pensa o Rangers a respeito de uma eventual saída.
Quer jogar a Champions League pelo Rangers?
Aí está um excelente motivo para ficar no clube. Julgo que nos espera aqui uma época muito aliciante, nomeadamente com os jogos da Liga dos Campeões. Os que já passaram por isso falam-me do mítico ambiente que se vive no estádio nos dias desses grandes jogos e estou muito entusiasmado com a ideia de participar nesse desafio. O jogo particular que fizemos com o AC Milan deu para ver do que são estes adeptos capazes. Numa 4.ª-feira, e mesmo sendo um jogo amigável, foram ao estádio 45 mil pessoas. Gostava muito de experimentar a sensação de jogar no Ibrox Stadium um jogo europeu.
Nem um convite de Portugal o faria perder esses jogos?
Um dia gostaria de voltar a Portugal. Por agora penso que seria cedo.
Antes de ir para Glasgow, o Benfica foi uma hipótese?
Comigo não falaram. Só se alguém falou com o meu ex-empresário, mas Jorge Mendes nunca me disse nada sobre o assunto. Por isso acredito que não o tenham feito.
O Sporting também chegou a ser falado como possível interessado...
Uma vez que ninguém do Sporting falou comigo, só posso considerar que se tratou de uma especulação.
Quer dizer que não estaria disponível para regressar a Portugal?
Neste momento estou a saborear a conquista do título - há três anos que o Rangers não fazia esta festa -, que foi uma vitória muito difícil, foram saindo várias notícias que davam conta dos problemas do clube, nomeadamente os problemas financeiros, o grupo foi ultrapassando esses obstáculos, nunca baixou os braços e, por isso, esta vitória é muito saborosa. Depois de um ano muito difícil devolvemos a alegria aos adeptos.
Chegaram a ter salários em atraso?
Nunca. Cumprem religiosamente.
Saiu precocemente do FC Porto?
Não me arrependo de nada. Na altura, chegou uma proposta do Tottenham, um clube da Premier League, e no futebol a maior parte das vezes o comboio só pára uma vez. Tinha de aproveitar e o FC Porto também não me impediu, o que também foi um sinal.
No Tottenham passou por maus momentos. Nem nessa altura se arrependeu?
Maus momentos apenas na primeira metade da segunda época. Essa, sim, foi a pior fase da minha carreira, motivada em grande parte pela mudança de treinador. Depois, no Portsmouth, participei num grande desafio e, com os meus colegas, venci-o: colocar um clube do fim da tabela entre os primeiros oito de uma liga muito exigente e vencer a Taça de Inglaterra...
Na Liga portuguesa, o FC Porto renovou o título...
É um justo campeão porque foi a equipa mais regular. Teve algumas dificuldades no início da época, mas recuperou muito bem.
Jesualdo Ferreira?
Jesualdo Ferreira, com menos condições, fez um bom trabalho no Braga e, antes, nas selecções jovens. Por isso, não fiquei surpreendido com o sucesso obtido no FC Porto. Tanto mais que nunca terá tido à disposição um plantel com tanta qualidade.
Relativamente a infra-estruturas, o Rangers está ao nível dos melhores clubes por onde passou?
Ao nível do FC Porto, apenas. As condições são muito melhores que as do Tottenham e as do Portsmouth.
Pode ter de defrontar o FC Porto ou o Sporting na Champions League. O Rangers tem equipa para ganhar ao FC Porto?
Gostava muito de ter uma equipa portuguesa no meu grupo e o Rangers joga sempre para ganhar. Se pensarmos nesta equipa, no contexto do futebol português, o Rangers seria um permanente candidato ao título.
Ao saber-se de fora dos pré-convocados de Carlos Queiroz, declarou que já não acreditava num regresso à selecção nacional. O seleccionador respondeu dizendo que continuaria a contar consigo. Voltou a ter esperança?
O treinador opta. Pré-convocou mais de 40 atletas e o meu nome não faz parte da lista. É uma mensagem clara que me desanima e frustra, mas que não posso ignorar.
Esperava estar no grupo dos pré-convocados?
Não estar nos convocados não é surpresa, tanto mais que tem sido praticamente uma constante na minha carreira. Estamos a falar de um grupo de 25 jogadores. Muito diferente é ficar de fora de uma lista de 40 e tal. Fiquei surpreendido, não o posso negar.
Queiroz disse que contaria consigo...
Enquanto estive no FC Porto e na Premier League não fui chamado. Depois, fui convocado para dois jogos: Malta e Dinamarca. Fiquei muito feliz e com enormes expectativas. Mas logo a seguir deixei, novamente, de ser convocado. A melhor maneira de lidar com isto é baixar as nossas expectativas. Por isso, não posso voltar a dar-me ao luxo de ter esperança quanto a uma convocatória nem quero passar por novo desânimo. Não posso passar a vida a motivar-me para ir à selecção e a lidar com a frustração de não ser escolhido. Vou continuar a fazer o meu trabalho, sendo que é para mim muito claro que a questão passa por uma opção do seleccionador. E por isso não posso alimentar esperanças.
Figo abandonou esta época a alta competição. Vai demorar muito a nascer um novo Figo, quer como jogador quer como líder?
Pelo que fez dentro e fora do campo, Figo é um atleta completo. É um senhor. Cristiano Ronaldo é muito talentoso, tal como Figo, tem um lugar na história do futebol português e até do futebol mundial, mas ainda é muito novo.